Cachete - S. M. Antigamente, no Nordeste do Brasil, era assim que se chamava qualquer comprimido para dor.

sábado, 3 de setembro de 2011

Um Exemplo de Amizade em Plena Ditadura


Esta história aconteceu durante a década de 1970. O ano, precisamente, não lembro. Eu era muito pequeno! Lembro do fato, apenas.
Estávamos todos sentados à mesa de jantar quando um dos amigos do meu pai chegou em nossa cara com o rosto transfigurado de pavor. O "tio" Abelardo chamou meu pai em um quarto da casa e conversou com ele durante alguns minutos. Terminada a conversa, o "Velho Péricles" falou para minha mãe que iria ali e que não se preocupasse que tudo iria acabar bem. Minha mãe ficou apreensiva, mas sem esboçar maior reação. Até que meu pai enfiou o 38 cano curto no bolso do paletó (meu pai era advogado) e saiu com o "tio" Abelardo. Horas se passaram, eu fui dormir. Pela manhã, encontramos (eu e minha irmã mais velha) dormindo no último quarto da casa (geralmente desocupado) a esposa do "tio" Abelardo - a "tia" Lúcia. Ela passou, mais ou menos, 6 meses naquele quarto com raras saídas para a rua. Minha mãe cozinhava, lavava e passava para ela. Fomos orientados por minha mãe para não falar para ninguém que ela estava em nossa casa...
Anos depois, já crescido, vim a saber da verdadeira história daquela noite.
Abelardo havia falado para o meu pai que a Tia Lúcia - Militante do PC do B - estava escondida dentro de um canavial em Moreno/PE e uma guarnição do exército a estava procurando pelos arredores. Pediu a ajuda do meu pai que, sem maiores questionamentos, armou-se e, mesmo correndo o risco de ser preso ou morto, foi buscá-la. Esse exemplo de amizade jamais saiu da minha cabeça e me serve de lição até hoje. Lição que passo para meus filhos, que vivem em um mundo onde os laços de amizade se resumem a uma tela de computador com o MSN tocando aquele som chato todas as vezes que alguém escreve alguma coisa. 
Meu pai, que não era religioso, mas que praticava ações de caridade cristã como ninguém, já partiu. Abelardo partiu antes dele e a Tia Lúcia, nunca mais ouvi falar dela (a vi uma vez já depois da queda da ditadura). Minha mãe está com 85 anos e foi co-heroína do fato.
Com esta ação, meu pai me ensinou que ter um amigo é ter uma parte de você que mora em outra casa...

Para meus amigos Fernando Pereira e Fabiano Fontes (que é coronel do exército. RSRSRS)

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(Joseph Pulitzer)