Cachete - S. M. Antigamente, no Nordeste do Brasil, era assim que se chamava qualquer comprimido para dor.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Pará Não Precisa de Divisão. Precisa de Intervenção

Pobre Rico Estado do Pará...
Agora que os debates sobre a criação dos Estados de Carajás e Tapajós terminaram, vale uma última reflexão. Do meu ponto de vista, independentemente se a capital é Belém, Marabá ou Santarém, as populações mais pobres continuam e continuariam vulneráveis frente a uma elite, seja ela regional ou estadual. Preferimos discutir reformas administrativas do que nos debruçar sobre mudanças mais profundas. Por que? Porque alterar o status quo é sempre doloroso para quem está por cima.
Se fossemos contar todos os casos de sindicalistas, trabalhadores rurais, camponeses, indígenas cujos carrascos nunca foram punidos, teríamos o maior post de todos os tempos. Por exemplo, na década de 80 e 90, os fazendeiros resolveram acabar com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Sul do Pará, e assassinaram uma série de lideranças. Os casos foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Deles até o assassinato de Maria e Zé Cláudio, em Nova Ipixuna, este ano, foram décadas de impunidade e desrespeito à vida.
A Justiça, quando se refere ao Pará, tem servido para proteger o direito de alguns mais ricos em detrimento dos que nada têm. Mudanças positivas têm acontecido, graças à sociedade civil, à imprensa e a promotores, procuradores e juízes que têm a coragem de fazer o seu trabalho, mesmo com o risco de uma bala atravessar o seu caminho. Mas tudo isso é muito pouco diante do notório fracasso até o presente momento.
Não gosto de dizer que o Estado é “ausente” nessas regiões, seria um erro do ponto de vista conceitual. Mas as instituições que servem para garantir a efetividade dos direitos fundamentais da parcela mais humilde são mal estruturadas, defeituosas ou insuficientes. Enquanto isso, aquelas criadas para garantir o desenvolvimento econômico, seja através do agronegócio, do extrativismo ou dos grandes projetos de engenharia, funcionam que é uma beleza.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, apenas nas regiões Sul e Sudeste do Estado (que seriam incorporados ao Estado de Carajás), há cerca de 50 pessoas marcadas para morrer devido a conflitos rurais. Aliás, Carajás nasceria como o Estado mais violento da nação – um título edificante.
Vale lembrar que o Massacre de Eldorado dos Carajás, que matou 19 sem-terra e deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a rodovia PA-150, completou 15 anos de impunidade em abril. Os responsáveis políticos pelo massacre, o então governador Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Câmara, nunca foram indiciados. O coronel Pantoja e o major Oliveira, únicos condenados, aguardam recurso nas cortes superioras em liberdade.
Em fevereiro de 2005, a missionária Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros – um deles na nuca – aos 73 anos em Anapu (PA). Os dois fazendeiros acusados foram julgados e condenados. Caso raro, pois a pessoa era conhecida – outras lideranças tombam na velocidade em que serrarias são montadas mas, anônimas, se vão sem fazer barulho. Mesmo assim, dos mandantes, um já está em regime semi-aberto e, entre os demais envolvidos, um está em prisão domiciliar, o outro também em semi-aberto e um terceiro, foragido.
Em 2009, proprietários rurais e suas entidade patronais chegaram a pedir intervenção federal no Estado uma vez que o poder público local não estava sendo célere – em sua opinião, claro – para garantir reintegrações de posse de terras (muitas das quais, com sérios indícios de grilagem).
Sabe qual seria a chance de um pedido assim ser levado a sério se fosse para atender a um pleito de trabalhadores rurais que solicitam a destinação de terras griladas para a reforma agrária ou sua devolução para as comunidades tradicionais de onde foram roubadas?
Tão pequeno quanto as elites de Belém, Marabá e Santarém abrirem mão de seu quinhão de Justiça para distribuí-lo de forma igual entre os demais cidadãos dessas terras. Se isso um dia acontecer, talvez não haja necessidade de discutir quantos Estados o Pará precisa. Porque o Estado, tal qual o conhecemos hoje, servindo a um grupo e não à coletividade, não existirá mais.

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(Joseph Pulitzer)