Dialética Erística - Excerto do Livro "38 Estratégias para Vencer Qualquer Debate!" de Arthur Schopenhauer
A DIALÉTICA ERÍSTICA é a arte de discutir, e mais especificamente de discutir de modo a ter razão, isto é, per fas et nefas [por meios lícitos ou ilícitos]. É possível ter razão objetiva em relação ao assunto em si e, ainda assim, aos olhos dos observadores, e às vezes aos próprios, não ter razão. Quando, por exemplo, o oponente recusa minhas evidências, isso serve como refutação da afirmação em si, para a qual é possível dar outras evidências; nesse caso, naturalmente, a relação é inversa para o oponente: ele tem razão, sem tê-la de maneira objetiva. Assim, a verdade objetiva de uma argumentação e sua aceitação pelo oponente e pelo ouvinte são coisas diferentes. (A lógica tem a ver com o conteúdo da argumentação e a dialética tem a ver com o convencimento dos demais). De onde vem isso? Do componente altamente perverso da natureza humana. Se não fosse isso, se fôssemos completamente honestos, então em todo debate teríamos a intenção de exigir que a verdade fosse mostrada, sem nos preocupar se nossa opinião ou a do outro é que estava correta: isso seria absolutamente indiferente, ou pelo menos algo completamente secundário. Mas a natureza humana torna esta a questão central. A vaidade congênita, que é sensível em especial em relação às faculdades intelectuais, não quer reconhecer estar errada, e que o oponente tenha razão. Pela lógica, cada um deveria apenas se esforçar para emitir opiniões verdadeiras, sólidas, para o que seria preciso primeiro pensar e depois falar. Mas à vaidade congênita, se juntam a verborragia da maioria e a doentia desonestidade do homem. Falam antes de pensar, e depois percebem que sua afirmação era falsa ou que não tinham razão; ainda assim, atuam de modo a parecer o contrário. O interesse pela verdade, que deveria ser o único motivo da proposição de afirmações, é totalmente substituído pelo interesse da vaidade: a verdade deve parecer falsa e o falso deve parecer verdadeiro. Entretanto, essa mesma desonestidade, essa persistência em uma afirmação que já nos parece errada, ainda tem uma desculpa: muitas vezes, começamos plenamente convencidos da verdade de nossa afirmação, mas o argumento do oponente parece arrasador. Se abrirmos mão da nossa de uma vez, talvez descubramos mais tarde que tínhamos razão: nossa evidência estava errada, mas mesmo assim podia existir uma correta. O argumento que nos salvaria não nos ocorreu logo de imediato. Portanto, vemo-nos diante da máxima: mesmo quando o argumento contrário parece certo e persuasivo, ainda devemos lutar contra ele na esperança de que essa certeza seja apenas aparente, e de que ainda nos ocorra um argumento durante a discussão que arrase com todos os outros, ou um que confirme nossa posição de outra maneira. Desse modo, mesmo sem nos darmos conta conscientemente do fato, somos impelidos à desonestidade durante a discussão. Nesse contexto, a fragilidade de nossa compreensão e a perversidade de nossa vontade colaboram mutuamente. Isso quer dizer que quem discute, via de regra, não luta pela verdade, mas por suas afirmações, e age pro ara et focis [por interesse pessoal] e per fas etnefas [por meios lícitos ou ilícitos], já que não é possível fazer de outro modo, como foi demonstrado.Portanto, em geral cada um quer impor sua afirmação, mesmo que ela pareça por um momento falsa ou duvidosa. Até certo ponto, todo homem está armado de tal procedimento com sua própria esperteza e maldade: isso se aprende com a experiência diária com as discussões, e assim cada um passa a ter sua dialética natural e sua lógica natural. No entanto, ninguém vai muito além quando se trata da lógica. Pensar ou fazer suposições contrárias às leis da lógica não é fácil: opiniões erradas são frequentes e silogismos errados, muito raros. Também não é fácil demonstrar carência numa lógica natural; por outro lado, existe muita gente com deficiências na dialética natural: esse é um talento distribuído de maneira desigual (o mesmo acontece com a capacidade de raciocínio e com a racionalidade, que é distribuída de maneira muito desigual).Por isso, é muito comum as pessoas se confundirem com argumentações aparentes e se deixarem refutar quando na verdade têm razão, ou o contrário. E quando se saem vitoriosas de uma discussão, não raro atribuem isso menos à certeza de sua verdade sobre os fatos, mas à capacidade de raciocínio na construção de suas frases, à esperteza e à destreza com que se defenderam. Aqui, como em todos os outros casos, os dons inatos são os melhores; no entanto,muito pode ser feito para tornar alguém mestre dessa arte por meio da prática e da análise das táticas que podem ser usadas para derrotar um oponente, ou para combater as táticas que ele usa para o mesmo fim. Mesmo quando a lógica não tem nenhuma utilidade real ou prática, a dialética certamente tem. Parece-me que Aristóteles elaborou sua própria lógica (analítica) principalmente como base e preparação para sua dialética, e ela era a coisa mais importante para ele. A lógica se ocupa com a forma das afirmações, a dialética, de seu significado ou matéria, do conteúdo: é por isso que se deve contemplar primeiro a forma de todas as afirmações antes de analisar seu conteúdo.
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