Cachete - S. M. Antigamente, no Nordeste do Brasil, era assim que se chamava qualquer comprimido para dor.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Professor Sivaldo Souza Silva fala sobre o fluxo migratório venezuelano em Roraima

Sivaldo Souza Silva é Doutorando em Engenharia e Saúde Ocupacional pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto/Portugal, Mestre em Tecnologia Ambiental pela Associação Instituto Tecnológico do Estado de Pernambuco (ITEP), Especialista em Comércio Exterior pela Universidade Federal Rural de Pernambuco e Graduado em Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade Federal de Roraima. Vice-líder do grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Saúde, Engenharia e Matemática (GPISEM) em cadastramento no CNPQ; tem experiência nas áreas de Matemática, Estatística, Ambiental, Saúde Ocupacional e Elaboração de Projetos de viabilidade econômico-financeiro.

Professor Sivaldo Souza

Sivaldo Souza é candidato a deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT-RR) e fala, com exclusividade, ao ContextoLivre sobre a situação do fluxo migratório venezuelano no estado de Roraima e sobre as implicações que esse fenômeno político-social e econômico representa para a sociedade roraimense.

ContextoLivre – Estima-se que Roraima abriga cerca de 70 mil venezuelanos, o que corresponde a 20% da população do estado. O estado tem estrutura para comportar tantos imigrantes?

Prof. Sivaldo Souza – Infelizmente, o estado de Roraima não está estruturado para receber, num curto espaço de tempo, tantos imigrantes venezuelanos – diga-se, de passagem, que também recebemos imigrantes da Guiana ainda que em menor escala. Na verdade, pelo porte, pela infraestrutura na área de saúde, na área de educação, esse percentual corresponde a, mais ou menos, 15% da população. Esse número significa um acréscimo muito grande num lapso muito pequeno de tempo. A solução, para desafogar a estrutura de suporte à saúde, à educação, à moradia, e de infraestrutura como um todo, deve ser, realmente, uma política de transferência e redistribuição desse universo populacional de imigrantes venezuelanos para outros entes da federação, porque o estado não tem estrutura para comportar esse fluxo migratório vindo do país vizinho.

Roraima tem um plano de desenvolvimento para lidar com esse fluxo?

– Roraima não tem um plano de desenvolvimento para um evento desse porte. Na verdade, poderia até dizer que, se existisse um plano, esse fluxo migratório seria até benéfico porque incorporar na economia mão de obra com muita qualificação profissional – há venezuelanos muito qualificados – que não custou nada para o estado. Roraima é um estado cujo tamanho em termos de área territorial é enorme. Então, do ponto de vista geográfico, o estado comporta um acréscimo na população. Mas, para isso, é necessário ter um plano de desenvolvimento e, nesse plano de desenvolvimento, deveríamos olhar para a Venezuela como um momento de oportunidade e não como um problema, já que o PIB da Venezuela é muito maior do que o do estado de Roraima. Então, se se incorpora mão de obra qualificada e se tem um plano de desenvolvimento que leve em consideração os arranjos produtivos locais, teríamos um momento de oportunidade extraordinário. É necessário, dessa forma, repensar essa política de análise de imigração. Entretanto, para isso, o estado teria de possuir um plano de desenvolvimento que contemplasse não apenas a capacidade de exportar e importar para a Venezuela, mas também levar em conta que há outro país que faz fronteira com o Roraima, que é a Guiana. Tanto a Venezuela quanto a Guiana poderiam ser duas bases de exportação e, para isso, é fundamental resolver outra questão do estado que é a segurança energética. Esse problema energético possui várias soluções, mas o Brasil optou pela confrontação e não pela cooperação. A questão energética de Roraima, por ser o único estado do Brasil que não está interligado ao sistema elétrico nacional – Sistema Interligado Nacional (SIN) – é muito grave, pois dependemos da energia produzida na Venezuela e, nesse momento, a central elétrica de Guri está com problema em sua manutenção e a crise venezuelana está se agravando. Uma política inteligente seria basicamente o que foi feito com o Paraguai: participamos da construção de Itaipu e colaboramos para desenvolver o Paraguai. Esse país faz fronteira com o Brasil, tem fluxo migratório, porém, como há desenvolvimento dos dois lados, não são vistos problemas como os que se veem hoje na relação Roraima-Venezuela. Deveríamos trabalhar para recuperar a economia venezuelana, fazendo uma interação com a nossa economia e, aí, eu incluiria também a Guiana. Com esse país, teríamos a opção de um porto de águas profundas que serviria de ponto de exportação para nossos produtos agropecuários. Quer dizer, esse momento poderia ser visto como um momento de oportunidade, mas o estado não tem um planejamento, e o Brasil, também, nos últimos dois anos, acabou com o que tinha de plano crescente de desenvolvimento.

Como o estado pode se beneficiar desse fluxo e quais seriam os caminhos para isso?

– Sim. O estado pode e deveria se beneficiar desse fluxo migratório. Como eu já coloquei, a Venezuela tem um PIB enorme, tem uma natureza belíssima, é um país dotado de um potencial turístico enorme, possui um setor hoteleiro muito grande, e nós temos, no estado de Roraima, uma população de apenas 500 mil habitantes. O estado precisa aumentar sua população, porque o desenvolvimento necessita também de mais mercado consumidor. Um estado cujo tamanho corresponde, por exemplo, ao Reino Unido, é um estado que precisa ser mais povoado. E a forma de se beneficiar desse fluxo migratório é levar em conta a grande quantidade de mão de obra qualificada, analisar os arranjos produtivos locais, ver que nós temos uma grande potencialidade no setor agropecuário, no setor da agroindústria e temos um grande potencial turístico. Podemos ser, também, um polo de desenvolvimento de produtos de alta tecnologia para exportação, porque estamos a uma pequena distância do maior mercado consumidor mundial, que é os Estados Unidos. Por outro lado, temos, também, todo o Caribe aqui perto do estado de Roraima. Agora, o estado não tem população nem mão de obra qualificada suficiente, ao passo que a Venezuela possui uma parte dessa população, que já está em Roraima, com muita qualificação, buscando qualquer forma de sobreviver por conta da crise. Seria necessário, na verdade, repensar essa questão do fluxo migratório, essa política de imigração, mas, para isso, teria que ter um plano de desenvolvimento para o estado. Infelizmente, o que se vinha construindo de política de desenvolvimento para a região, quando o Michel Temer assumiu o poder, ele foi para uma outra linha de ação que foi basicamente de confrontação, de subserviência aos Estados Unidos, ideologizou algo que deveria estar no plano econômico. E aí a situação do estado se agravou. Quanto à questão energética de que já falei, teríamos de interligar Roraima ao sistema elétrico nacional ou então investir na manutenção da central elétrica de Guri, que abastece 10 dos 15 municípios de Roraima, incluindo Boa Vista; trabalhar a questão de energias alternativas por conta das grandes distâncias que se têm em relação às áreas mais afastadas, mais rurais. Deveríamos nos aproveitar desse fluxo migratório de outra forma. Estamos perdendo um momento importante para o desenvolvimento do estado de Roraima.



Há grande insatisfação da população roraimense com a presença de venezuelanos. No mês passado, moradores do município fronteiriço de Pacaraima atacaram e expulsaram alguns imigrantes. Considera esse um ato xenófobo (crime previsto no artigo 20 da Lei Federal 7.716/89)?

Hoje, há uma insatisfação da população com o grande fluxo migratório de venezuelanos. Mas eu não consigo enxergar o estado, o seu povo em sua maioria, como tendo características xenófobas. Na verdade, Roraima é uma grande mistura de povos. Temos gente de todos os estados da federação e até pouco tempo atrás esse convívio, entre roraimenses e venezuelanos, era natural. Venezuelanos moravam em Roraima, roraimenses moram na Venezuela. Agora, o Brasil passa por um momento político muito especial que permite que uma pequena parte da população se porte como xenófobo, com um comportamento mais hostil contra os imigrantes. Esse percentual é xenófobo mesmo, intolerante. Relativamente ao caso de Pacaraima, considero que vários fatores contribuíram. A cidade tem em torno de 10 mil habitantes com 1.200 imigrantes vivendo na rua ou em abrigos, alguns mais ou menos estruturados, outros improvisados. O acréscimo é muito grande para uma cidade que não tem o suporte para dar atenção a essa população. O fato concreto é que não há entendimento entre o governo federal e o estado, além de interesses políticos em acirrar os ânimos. Alguns agentes políticos, que dominam a política do estado, querem, de alguma forma, uma confrontação. Essa confrontação tem a ver com a busca de votos e aí se jogam os habitantes uns contra os outros. Como não há um controle no fluxo migratório, pessoas de diversas índoles estão entrando no país, entre esses imigrantes, evidente, há aqueles que não têm um comportamento decente enquanto cidadão. E, em Pacaraima, o acréscimo de crimes diversos – furtos, roubos, latrocínios – recai sobre os venezuelanos. Isso vai se agravando e aí você pega algumas pessoas que usam essa situação para incendiar a população e aconteceu o que se divulgou em rede nacional. Mas, reafirmo, não considero que a maioria da população seja xenófoba. Há uma insatisfação porque o estado não suporta o fluxo migratório e não se planejou. O governo federal deveria dar suporte para o estado, porque Roraima não teria condições financeiras de comportar um acréscimo tão grande na população. Mas tudo vira um jogo político e não uma política social, uma política humanitária, uma política de desenvolvimento.

O poder público estadual é responsável por tratar do problema do fluxo migratório venezuelano ou essa é uma questão que diz respeito, exclusivamente, à esfera do governo federal?

– O fluxo migratório, neste caso, é uma política entre países. Mas como acontece pela fronteira de Roraima, o estado também participa, embora todo o controle na fronteira deva ser feito por instituições federais (Polícia Federal, Receita Federal e a Guarda Nacional quando for destinada para esse fim). Agora, a partir do momento que entra no Brasil, passa a ser, também, um problema do estado de Roraima. Essa ação deveria ser uma ação conjunta envolvendo as nações (Brasil, Venezuela), o ente federativo (Roraima) e a própria ONU. O grande desafio é que, em termos nacionais, o Brasil optou por não buscar soluções negociadas para minimizar essa questão. O Brasil optou por buscar a confrontação. O governo estadual, por outro lado, tem um problema de gerenciamento, um problema próprio do estado que é não ter se preparado para essa situação. Esse fluxo já vem acontecendo há algum tempo, só chegamos a um volume considerável agora, mas não é recente. Então, você tem a ausência de agentes políticos, tanto do estado como do governo federal, e aí deixam o problema se avolumar esperando que as coisas se acomodem. Entretanto não se tem um mercado consumidor que consiga acomodar esse contingente de imigrantes sem uma política de investimento na infraestrutura, na capacidade de atendimento nas áreas de saúde, de educação, de moradia, enfim, um planejamento de desenvolvimento capaz de incorporar essa mão de obra migratória. Dessa forma, vejo como um jogo de “perde-perde”. O estado de Roraima e a União são dois agentes que não estão correspondendo ao momento histórico, não estão à altura do problema, não dialogando de forma construtiva. Então, é um problema que ainda vai demandar um tempo para ser resolvido.

A mídia corporativa brasileira tem dado destaque à Venezuela como sendo uma ditadura levada a ferro e a fogo por Nicolás Maduro. O senhor concorda com a veiculação dessas informações?

– Não concordo que a Venezuela seja uma ditadura. Na realidade, se observamos a história da Venezuela, constataremos que o país costuma respeitar às regras democráticas. Agora, a mídia brasileira registra os fatos, deturpando-os inúmeras vezes, conforme sua conveniência ideológica e de conluio com certa política de alinhamento com os interesses dos EUA e de certo segmento político brasileiro. Para grande parte da mídia corporativa brasileira, alguns são aliados, e outros não, ao sabor da conveniência discursiva e de benefícios financeiros que o apoio das pouquíssimas famílias que controlam o setor midiático brasileiro pode auferir. Os interesses são abjetos, são escusos. Portanto, a discussão não se circunscreve ao fato de a Venezuela ser ou não ser ditadura. Jamais se ouviu falar que alguns países muçulmanos ou africanos são uma ditadura pela mídia brasileira, porque para ela é conveniente não noticiar isso. A Venezuela tem um presidente democraticamente eleito. O processo democrático seguiu seu rito. Alguns países questionam, porém, quando se faz uma análise mais profunda, perceberemos que essa veiculação de que a Venezuela é uma ditadura está plantada em interesses econômicos maiores num um xadrez geopolítico que tem como protagonista os EUA. Garanto que, se a Venezuela não tivesse tanto petróleo, eu diria que essa discussão seria relegada à margem de fatos noticiosos sem nenhuma importância para as grandes nações que necessitam desses recursos naturais, principalmente os EUA. A mídia falseia a verdade. Em função desse panorama de pressão externa e com as sucessivas tentativas de golpe contra Nicolás Maduro patrocinadas pelos EUA, a democracia, sem dúvida, começa a se enfraquecer. O fato é que não há na Venezuela lideranças que façam o contraponto ao atual presidente. Podem-se questionar os problemas advindos da gestão de governo, da condução de política econômica, mas jamais dizer que na Venezuela existe uma ditadura, como a mídia insistentemente tem propagado de maneira falseadora e criminosa do ponto de vista de um jornalismo sério e imparcial que se espera.

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