Movimento Ocupe Estelita
Acordei, papei um prato de cuscuz com ovo e fui mimbora curtir um domingo diferente. Mochila nas costas, parti para o Cais José Estelita, centro do Recife, beira da maré. Não estava sozinho.
Ao longo desse domingão, centenas de pessoas seguiram o mesmo caminho. Da minha própria cabeça, vou dizer que mais de mil passaram por lá. Alguns traziam faixas. Outros pintavam ou colavam seus cartazes nas paredes dos velhos armazéns, abandonados há décadas numa das áreas (que deveriam ser) mais privilegiadas da cidade. Uma turma pediu eletricidade ao vizinho e ligou o som. Cardumes de bicicletas ocupavam o lugar. Famílias faziam piqueniques e separavam o lixo orgânico do material reciclável.
Bom humor, risada, brincadeiras, papo sério.
O “mote” da festa (agora vou chamar de festa) é a indignação do pessoal por conta do projeto Novo Recife, que – entre outras coisas – pretende subir 14 torres de 40 andares na beira do rio. Quem entende faz a lista da bronca: problemas de ventilação, saneamento e trânsito devem ser o efeito colateral do projeto, caso saia como o consórcio imobiliário deseja.O grupo que compareceu ao cais hoje foi significativo e fez ver que existe muita gente que acha importante uma discussão maior sobre o direito à cidade e sobre a forma com que se constrói ou se deixa de construir por aqui. Mas, enfim.
A chamada ao protesto (agora eu vou chamar de protesto) aconteceu pelas redes sociais. Feicebuqueanos e tuiteiras meteram o dedo pra cima e convidaram todo mundo a botar a boca no trombone. Quem sabe desenhar fez cartazes bacanas. Compartilhou-se, curtiu-se aos montes. Os chamados “ativistas de sofá” perceberam que precisavam também mostrar a cara e fazer-se ver além da twitcam.
Circulando, vi muita gente acostumada a lutar por direitos. Estudantes, ciclistas organizados, militantes cineclubistas, a galera dos direitos humanos, do direito à comunicação, à cultura. Boné do MST e bandeiras de um par de movimentos sociais. Mas também vi muita (muita mesmo) gente nova em vários sentidos. Certamente foi a estreia de uma galera no mundo das reivindicações. Reunidos, os manifestantes formavam um caldeirão inusitadamente singular. Pouca estrutura formal, descentralização total, recursos mobilizados a partir de caixinhas de papelão em que qualquer um podia contribuir para ressarcir quem gastou pra levar tintas, faixas e outros materiais.
Uma manifestação feliz, num dia feliz.
Sim, é verdade que a área está abandonada há muitos anos. Também é verdade que a indignação só foi engatilhada depois que o projeto das torres ‘vazou’ para a população. Não é mentira que muita gente que apareceu hoje no José Estelita conheceu o cais nessa linda manhã de domingo.
E daí?
A grande graça de hoje foi ver pessoas na rua, dividindo esforços e conversas. Pessoas que, de uma forma ou de outra, percebem a necessidade de construir algo novo (eita) em termos de política na cidade. Pouco me importa se ainda tem gente se empoderando das discussões. Tou nem aí para quem vier me dizer que é improvável a interrupção do Projeto Novo Recife, que o terreno está comprado, que a prefeitura vai conceder todas as licenças, etc. Certamente a movimentação da galera vai aumentar o poder de barganha de possíveis gestores públicos interessados em aumentar as chamadas ‘contrapartidas sociais’ do empreendimento, mas nem é isso que eu tou aqui comemorando.
Cada pessoa que, em qualquer momento do domingo, passou pela manifestação, já gastou muita saliva em mesa de bar reclamando de um monte de coisa. Já escreveu nas redes sociais que alguma coisa tem que mudar, que pode ser feito diferente. E agora percebeu que dá pra – pelo menos – tentar interferir.
Já pensou se isso vira moda? Tendência, como se diz hoje em dia? Já pensou se a galera percebe que pode ser um programa legal dar uma chegada no Cais uma vez por semana pra curtir umas intervenções artísticas e reverberar suas demandas sociais? Saúde, educação, comunicação, meio ambiente. Causas não faltam.
Já pensou se os movimentos populares começam a chegar junto? Os meninos do Coque, a galera da Bomba do Hemetério, as rádios comunitárias, a turma do grafite do Totó, os pescadores da Ilha de Deus com suas redes e barcos altamente politizados?
Pensou não? Ainda dá tempo.
Quer saber mais sobre o projeto Novo Recife? Dê uma sacada nessa matéria do Pé na Rua.
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